Mandala

No dicionário Houaiss, “mandala” — que quer dizer “círculo”, em sânscrito — é um substantivo masculino. O que encontrei como fundamentação disso é o fato da maioria das palavras em sânscrito terminadas em “a” serem masculinas.

Como definição, pode-se dizer que mandala é um diagrama de formas geométricas concêntricas utilizado no hinduísmo, budismo, ioga e tantrismo como objeto ritualístico e ponto focal para meditação. Representação do ser humano e do universo, símbolo de integração e harmonia, de cura e espiritualidade (da jornada espiritual de cada indivíduo), ainda, segundo a teoria junguiana, é um círculo mágico que representa alegoricamente a luta pela unidade total do eu.

Pois bem, por volta de 2010/2011, quando idealizei o show “Coração Sol”, dedicado à obra de Caetano Veloso, meu desejo era o de interpretar canções nas quais ele lançasse um olhar fraterno sobre as coisas da vida. Além de me sugerir o nome do espetáculo, as palavras “coração” e “sol”, presentes em inúmeras letras suas, me deram a pista para a arte do cartaz que realizei na técnica de xilogravura e que estampou também a capa do CD gravado ao vivo no Foyer do Theatro São Pedro, em Porto Alegre.  

Buscando a melhor forma de representar as chamas desse “sol fraterno”, encontrei-a numa estátua de Nataraja, ou Nataraj — igualmente um termo do sânscrito que significa “Rei dos dançarinos”, e que é a forma dançante de Shiva, um dos deuses supremos do hinduísmo, controlador do tempo.

Depois de pronta a matriz em madeira, resolvi explorar um pouco as possibilidades daquela figura. Assim, fiz outras impressões do coração ensolarado, dispondo-o no papel de diversas formas, em várias cores. E uma das concepções foi justamente a da mandala, cuja representação, ao fim, acabou sugerindo, reiteradamente, a ideia de um sol formado por vários corações suaves, tênues como emanações de afeto.

Hoje, os significados da mandala e suas aplicações na vida da gente, mais do que nunca, fazem sentido, são mesmo essenciais. Tanto quanto isso possa revelar, o encontro de cada pessoa com seu “eu” profundo, a busca pelo entendimento de quem somos e de como trabalhar nossa energia vital, a ideia de equilíbrio, integração, harmonia e cura, me parece, nunca foi tão imprescindível.

Embora tenhamos avançado em algumas direções — pelo menos teoricamente, em termos de princípios e conscientização, a exemplo das questões de direitos humanos —, vivemos num caos como jamais a humanidade padeceu, num planeta superlotado, com práticas de destruição massivas e contínuas, com modos e condições de vida das mais estressantes e desagregadoras, em meio à violência, aos ruídos contínuos, à poluição de terra, água e ar, à miséria e ao isolamento de hordas de gentes, ao martírio dos animais, à ganância dos poderosos, ao individualismo, à vaidade exacerbada, à impessoalidade, enfim, à uma perda de preceitos humanitários que contrasta tragicamente com a evolução do pensamento e das ideologias mais prósperas.

Então, hoje, em meio às redes de mentiras e da artificialidade e superficialidade da vida cibernética que facilitam nosso alheamento, esta é provavelmente a nossa tarefa mais complexa e a mais fundamental: saber quem somos, individual e coletivamente. Não apenas para que cada pessoa encontre o prazer de viver melhor, mas sobretudo para que possamos nos transformar, ampliando e aperfeiçoando nossas possibilidades de ser, de conviver e amar.

Que as mandalas — e tudo o que representam — nos favoreçam e acudam nessa missão!

Xilogravura “Coração Sol”, de Dudu Sperb.
Shiva dançante (imagem retirada web, liberada para utilização). 

7 comentários em “Mandala”

    1. Dedé querida, pois é, também curto essas reflexões sobre os processos vários, de vida e criação. obrigado pela curtição. 🙏🏽 beijo! ❣️

  1. Bacana.. shiva..o movimento do universo que está sempre
    buscando o equilíbrio..uma dança..uma homeostase….dinâmica em direção ao coração..o sol do nosso sistema. As situação da nossa espécie “sapiens ” não está das melhores..Mas voltaremos ao equilíbrio subindo um degrau dessa escada evolutiva. Dias e noites de Brahma. Parabéns pelo teu trabalho.

    1. que legal, Jorge! obrigado pelo comentário elucidativo e pela apreciação. grande abraço! ✨🌟✨

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